O Fio da Literatura | Henry Miller
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Desde o comecinho, devo ter-me treinado para não querias nada muito a sério. Desde o comecinho fui independente, de uma maneira falsa.
Não precisava de ninguém, pois queria ser livre, livre para fazer e dar apenas o que ditassem meus caprichos. Assim que se espera ou exigia alguma coisa de mim, eu dava para trás. Foi a forma que assumiu minha independência. Era corrupto, em outras palavras, corrupto desde o começo. Era como se no leite da minha mãe houvesse veneno, e embora eu tenha sido desmamado cedo, o veneno jamais deixou meu organismo. Até mesmo quando ela me desmamou, parece que fiquei completamente indiferente: a maioria das crinas se rebela, ou finge rebela-se, mas eu estava cagando. Era um filosofo quando ainda usava fraldas. Eu era contra a vida, por princípio.
Que princípio?
O princípio da futilidade. Todos a minha volta se empenhavam. Eu mesmo jamais fiz o menor esforço. Se parecia fazer algum esforço, era apenas agradar a alguém; no fundo, estava cagando mesmo. E se você puder me dizer por que tinha de ser assim, eu nego, porque nasci como o diabo no corpo e ninguém pode elimina-lo.
Soube mais tarde, quando já adulto, que tiveram um trabalho do cão para ne arrancar do ventre. Entendo isso perfeitamente. Por que me mexer? Por que sair de um lugar quente bacana, um aconchegante retiro onde nos oferecem tudo de graça?
A mais antiga lembrança que tenho é do frio, da neve e do gelo na sarjeta, da geada nas vidraças da janela , do frio das suadas paredes verdes da cozinha. Por que as pessoas vivem em climas bárbaros nas zonas temperadas, como são equivocadamente chamadas? Porque são naturalmente idiotas, naturalmente preguiçosas, naturalmente covardes. Ate cerca dos dez anos de idade, jamais compreendi que havia países quentes, lugares onde não se tinha de ganha a vida com o suor, nem tremer de frio e fingir que isso era tônico e excitante.
Trópico de Capricórnio – Henry Miller
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